segunda-feira, julho 16, 2007

O Grande Truque


“Are you watching closely? Now you’re looking for the secret…but you won’t find it because, of course, you’re not really looking. You don’t really want to work it out. You want to be fooled!”


Recentemente, após uma semana de muito cansaço com a faculdade e o trabalho, quis me divertir um pouco.

Pensei comigo mesmo: “Vou até a locadora pegar algo que me distraia.”. Como minha cidade é pequena, a locadora respeita essas proporções e, assim como a cidade, não oferece variedade de opções para escolha. Todavia, em meio a vários filmes velhos e alguns “lançamentos” do ano passado, lá estava um filme enigmático: “O Grande Truque”. A mais nova produção de Christopher Nolan, diretor do excelente “Amnésia” e “Batman Begins”. Pela genialidade do primeiro filme, resolvi dar um voto de confiança para este. Confesso que, após assistir “O Ilusionista” (que saiu na mesma época e com temática semelhante) tive medo de encontrar mais do mesmo.

Ledo engano!

O filme, baseado na obra de Christopher Priest, “The Prestige", trata da jornada de dois jovens aprendizes de mágico que anseiam por descobrir um grande truque. Ambos querem se superar na arte da ilusão e acabam, nesta busca, por adentrar nos porões mais obscuros da alma humana, repleta de orgulho, vaidade e vingança.

É interessante também que o diretor/roteirista adapta a narração de forma tão brilhante que a própria estrutura do filme se torna um truque a ser desvendado. Assim como os mágicos, Nolan nos ilude para que pensemos, no final, que descobrimos o segredo do filme. Porém, a menos que tenhamos prestado atenção, “olhando atentamente”, o segredo continuará lá, escondido atrás do palco.

Tudo isso já seria suficiente para fazer do filme uma peça cinematográfica especial entre as muitas produções comercias que jorram de Hollywood, mas o que mais me cativou foram as palavras no início do filme. Com uma narração em off, Michael Cane diz as palavras mais significativas de todo o roteiro: “ Você está olhando atentamente? Você está procurando pelo segredo... mas você não vai achá-lo. Por que, é claro, você não está realmente olhando. Você na verdade não quer saber. Você quer ser enganado!”

Isto soa estranho à princípio, mas é perfeitamente coerente quando analisado à luz da mágica, servindo de metáfora a muitas situações em que vivemos, inclusive dentro da igreja.

O centro da afirmação é que, embora o público esteja prestando atenção no truque, ele nunca vai descobri-lo, pois seu desejo não é saber o segredo, mas ser iludido. O que queremos é o espetáculo, o fantástico, o impensável algo que nos deixe de olhos arregalados e queixos caídos. Nós pagamos por isso!

A verdade é simples e conhecê-la nos desmotiva a ver o truque novamente. Mas com a ilusão, a sensação de encantamento estará lá sempre que assistirmos o truque outra vez. Nós vamos rir, chorar e, ao final, aplaudir de pé por termos sido prazerosamente enganados. O segredo, na realidade só interessa aos aprendizes de truques, mas não a nós, o público.

Posto isso, fico a pensar: até que ponto não temos feito o mesmo em nossas igrejas? Até que ponto não temos nos portado como audiência evangélica em vez de evangélicos? Platéia cristã em vez de cristãos?

Há uma semana estive em um acampamento de jovens e pude perceber que, muitas vezes, nos assemelhamos à platéia dos grandes mágicos.

Um preletor com argumentos “inéditos” nos encantou com suas palavras. Nos fez rir e chorar, sem que notássemos que estávamos sendo sutilmente conduzidos.

Meu objetivo aqui não será o de expor a pessoa, mas expor as idéias por trás das idéias que nos foram apresentadas nas palestras em questão. Quero apenas revelar os “truques”, pois, ao contrário de um show de mágica, tal espetáculo pode repercutir seriamente em áreas-chave de nossas vidas, como cristãos, se ainda não as repensamos cuidadosamente.

O Primeiro truque que pude perceber foi:

1- O Mascaramento da ideologia.

Um mágico nunca revela seus segredos, especialmente quando ele é parte do segredo. Embora tenha se apresentado como calvinista reformado, o preletor trouxe uma linha de raciocínio neo-ortodoxa, que, embora tenha nascido para combater o pensamento liberal, acabou se tornado uma mescla, no nível “melhor de cada”, do pensamento cristão conservador e da teologia liberal. Porém o conteúdo liberal não é apresentado de forma aberta nem concreta, mas sutil e diluída, atrávés de um abuso da abordagem dialética de pensamento, onde tudo é questionável (Para se ter uma idéia, fora uma citação circunstancial de John Sttot [que também abordaremos mais a seguir], o único teólogo mencionado por ele foi Rudolph Bultman, notavelmente neo-ortodoxo e que cria, entre outras coisas, que os milagres e eventos sobrenaturais do novo testamento deviam ser vistos como mitos que precisavam ser reinterpretados à luz do pensamento existencialista. Para ele a ressurreição de Jesus não era um fato histórico, mas um acontecimento mítico que possuía uma verdade simbólica). No fundo, no fundo, a neo-ortodoxia não passa de uma ponte cinzenta pela qual transitam muitos dos que deixam a teologia ortodoxa rumo ao liberalismo. Nada é muito claro ou profundamente bíblico no seu discurso, cujo objetivo central hoje é remover, através de um suposto questionamento “científico-histórico-crítico”, “tradições” ou “interpretações equivocadas”, dogmatizadas pela teologia ortodoxa. Elementos básicos da teologia cristã como “o que é pecado”, “como e para que orar” são questionados em suas concepções tradicionais para que se estabeleçam novas formas, numa concepção mais relativista e circunstancial.

O problema é que muitas coisas tomadas por ele com tradição humana, são realmente verdades bíblicas, mas que, pela ignorância do público sobre os assuntos, acabam sendo passíveis de questionamento. O que nos leva aos segundo truque que é:

2- O vislumbre parcial de questões relevantes

Para que não descubramos a mágica, o ilusionista tem que mostrar a carta, a pomba, ou a caixa d’água apenas de relance. Afinal, se olharmos para o truque por todos os ângulos, com atenção, descobriremos o segredo. A chave para um truque bem feito é nos fazer ter apenas uma visão rápida e parcial do que está em jogo.

Cito como exemplo a seguinte afirmação não aprofundada do preletor: “Não dar o dízimo não é pecado, mas atrapalha.” Como muitos de nós desconhecemos os textos no V.T. E N.T. sobre o assunto, damos crédito ao palestrante. Porém, a Palavra diz em Malaquias 3.8 que Deus repreende o povo por Lhe estar roubando no que tocava aos dízimos, e não só dízimos, mas ofertas também. Alguns podem dizer que esta é uma situação particular na história do povo de Israel. Porém, se o fosse, Jesus não teria colocado a entrega dos dízimos como um dever. Ao abordar os escribas e fariseus, em Mt 23.23, por serem fiéis nos mínimos detalhes da contribuição, mas negligenciarem os fundamentos mais importantes da lei (a justiça a misericórdia e a fé) Jesus afirma: “Devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas”. Ele não fala: “Devíeis fazer estas coisas EM LUGAR DAQUELAS”, mas “SEM OMITIR AQUELAS”. Isto é, DEVIAM FAZER TANTO UMA COMO A OUTRA. Os dízimos e as ofertas são uma obrigação na vida do cristão, como eram para o povo de Israel. Se formos analisar a fundo talvez estejamos devendo mais do que podemos imaginar. Um dos argumentos também usado para justificar este pensamento é o de que o dízimo não é um preceito moral. Mas batismo e santa ceia também não são e ninguém questiona a validade de ambos, como ordenanças a serem cumpridas.

Outro caso é o de usar Judas como justificativa para dar santa ceia para todos, indistintamente. Ele não era traidor? Não tomou ceia? Então por que não dá-la a quem não é membro? Não podemos esquecer que, embora fosse traidor, Judas abandonou tudo para estar com Jesus. Esteve com ele, sob sol e chuva, dia e noite, por 3 longos anos. Podemos dizer que além de professo, era também estudante de teologia. Pelo seu preparo podia ser um dos futuros pastores da igreja primitiva. Isso nos leva a outra conclusão: a de que mesmo tendo feito compromisso com Jesus, podemos não ser nem um pouco fiéis a ele.

E não é apenas no campo bíblico, mas o preletor também usa o truque no campo dos conhecimentos históricos e de ordem filosófica. Ao ser questionado sobre sua postura quanto à aceitação de homossexuais como membros e oficiais da igreja, o palestrante afirmou não ser a favor, mas prosseguiu sua resposta com outra pergunta: “John Sttot é referência para nós como teólogo?” ao que ele mesmo respondeu: “Pois a sua igreja ordena homossexuais!”. Tal raciocínio é equivocado por se basear apenas numa pré-concepção silogística de fatos. O silogismo associa duas verdades independentes entre si para nos induzir a uma terceira, como se esta fosse fruto obrigatório das duas primeiras.

Ex:

Afirmação 1 -João é assassino.

Afirmação 2- Carlos é irmão de João.

Afirmação 3- Carlos é assassino.

Embora parte da igreja anglicana aprove o homossexualismo, isto não implica que John Sttot o faça. Em diversas obras ele se posiciona abertamente contra a prática, à luz da Bíblia. No site da revista ultimato consta: “...John Stott, declara enfaticamente em seu livro Grandes Questões: ‘Desde que a ordem (monogamia heterossexual) foi estabelecida pela criação, não pela cultura, sua validade é permanente e universal. Não pode haver ‘liberação’ das normas criadas por Deus; a verdadeira liberação é encontrada em sua aceitação’ (p. 183).” E ainda: “Basta ler o capítulo ‘Os valores morais’, do recém-lançado Firmados na Fé, de John Stott, um dos mais respeitados e conhecidos líderes do mundo (Encontro Publicações,): ‘A união homossexual deveria ser considerada pelos cristãos (assim como por todo mundo) não uma alternativa legítima para o casamento heterossexual, como defende a comunidade gay, mas como algo incompatível com a ordem natural criada por Deus. A única experiência ‘de uma só carne’ que Deus autorizou é dentro da monogamia heterossexual (p. 159)’. Sem falar que na obra Same-Sex Partnerships? A Christian Perspective (Michigan: Fleming H. Revell, 1998), Sttot trata unicamente sobre este assunto e reafirma sua postura bíblica. Por fim, ressalto que não é oficial a posição de ordenação e aceitação de homossexuais dentro da igreja Anglicana. Na verdade ela pode sofrer um racha exatamente por que a igreja ocidental (especialmente da América, notadamente liberal), não quer rever sua postura quanto ao assunto, prometendo um possível cisma para o futuro.

Resta nos então saber: por que o preletor quis nos fazer aceitar algo que não é fato, uma vez que ele afirma ser contra a inclusão de homossexuais como membros professos e ministros ordenados? Ao construir seus argumentos com o fim de apresentar a situação como algo já aceito, inclusive por um dos principias teólogos do século XX, que conclusão ele gostaria que tirássemos?

Um terceiro truque é:

3- Usar um erro praticado para justificar um erro não praticado.

Uma das afirmações do palestrante que se referia ao que era, ou não era, pecado, dizia: “Fumar não é pecado, mas atrapalha”. Sabendo que alguém poderia questioná-lo, ele se antecipou e citou o texto de 1Co 3.16, que nos lembra que nosso corpo é templo do Espírito. Mas ele afirmou que ninguém condena um presbítero que toma coca-cola e se empanturra de lanches gordurosos, aumentando seu colesterol e os riscos para sua saúde. Ora, não é por que as pessoas costumam fazer uma coisa errada que o uso a torne certa. Nem muito menos pode ela justificar outra coisa notadamente errada. É a velha história: um erro não justifica o outro. O que precisamos é ser levados a questionar: “Será que só por que todo mundo faz, isso está certo?” Deveríamos, sim, repensar o erro comum e pedirmos a Deus que nos perdoe naquilo que não vemos como pecado, mas que o é; que nos absolva das faltas que nos são ocultas, Sl 19.12.

Um último truque perceptível que irei ressaltar aqui foi:

4- A Preterição da abordagem bíblica pela abordagem filosófica:

Para que o espetáculo sempre tenha audiência, o mágico precisa de truques novos, que envolvam conhecimentos científicos respeitáveis para dar mais crédito à sua apresentação. No caso da preleção, que se dá no campo ideológico, a ciência que dá um ar de propriedade ao conteúdo é a filosofia. A afirmação seguinte, que é um postulado filosófico básico, demonstra a opção do preletor: “Prefiro uma boa pergunta a uma boa resposta.”.

É claro que as perguntas nos levam a buscar respostas e são meios de nos instigar a buscar o crescimento. Eu mesmo sempre as uso quando quero questionar o senso comum criado na mente de meus alunos, mas sempre o faço através de um ato dialógico e, especialmente, com o intuito de trazer respostas. Em sua primeira carta, Pedro nos diz: “antes santificai em vossos corações a Cristo como Senhor; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós...”. O mundo é o que tem apenas as perguntas, não nós! Acho válido lembrar aqui a ilustração de nosso irmão Fabrício Cunha, que deixou isso bem claro, ao citar a música “O segundo sol” de Cássia Eller. Nela a cantora concluí a música dizendo:

“...Eu só queria te contar
Que eu fui lá fora
e vi dois sois num dia
E a vida que ardia sem explicação
Explicação
Não tem explicação
Explicação,
Não tem explicação
Explicação
Não tem, não tem explicação”

Conforme ele ressaltou, o eu - lírico da música olhou para fora e viu algo diferente, algo além do normal, um sol a mais, um outro astro, e que ele fazia a vida arder, porém ele não tinha explicação para isso. Creio que esse é um dos casos em que o eu-lírico é uma projeção do compositor, pois Cássia Eller era assim e infelizmente morreu por não ter e sem ter a explicação. E não é diferente com o mundo. Mas se nós, que temos as respostas, ficarmos apenas com as perguntas, que diferença faremos? Qual será nossa utilidade neste sociedade vazia, confusa, que não sabe quais rumos tomar? Ou será que também estamos vazios, confusos a espera de respostas, com vergonha de admitir nossas fraquezas?

Conclusão: Devo admitir que não foram só problemas que achei nas preleções. Abordagens como a da primeira palestra, em Rm 13. 11-14 foram simplesmente magníficas. Pena que foram muito poucas e usadas como pretexto para a discussão de questões nada pertinentes para o momento e para o público. O texto foi mais um pretexto para criticarmos nosso contexto eclesial, em vez de lutarmos por ele. O fato é que ao final de tudo ficamos assim, perplexos por um lado, e confusos por outro. Fomos para saber como era “sair da trincheira” e acabamos sem saber para que lado atirar. Talvez devamos sair da trincheira para atirar nela, tão “injusta”, “errada”, “falha”, ignorando que nós também o somos e que devemos muito das vantagens que temos por sermos criados nela e não em outra. Ou talvez devêssemos lutar contra o pecado. Mas pra que, se ele só atrapalha? Na verdade ele nem é mais pecado! Afinal... o que é pecado mesmo?

Graças a Deus, que nesta platéia Ele nos dá a chance de sermos também observadores e aprendizes. Não apenas para descobrirmos os truques de quem está a frente, mas para termos sempre em mente que vida cristão se calca no evangelho, que não é um truque argumentativo, uma mágica de palavras, “mas poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê...” Rm1.16

Autor: David de Oliveira Lima

Foto: WarnerBros, Publicação

Bibliografia

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